Um senhor idoso, recém-viúvo, está em uma festa de ano-novo com seu filho surdo e mudo, que deixará o país na manhã seguinte. Prestes a perder o papel de pai, um dos últimos que lhe resta, o velho mergulha em uma profunda reflexão, buscando encontrar algum sentido na vida e na morte. Este é o ponto de partida de “Réveillon” e da jornada do leitor através das mais diversas experiências humanas, nas quais as relações do homem com seus semelhantes e seu ambiente são percebidas sob um olhar crítico e desmistificador. De um acontecimento corriqueiro, como a disputa por uma poltrona no ônibus (“O lugar de cada um”) aos momentos mais dramáticos, como o primeiro momento a sós de um casal após a moça ter sofrido um estupro (“Violentada”), o autor nos entrega um testemunho vivo de como as interações humanas podem funcionar de maneiras complexas e distintas das que aparentam na superfície. A linguagem literária é outro ponto forte do livro. Exemplos notáveis são “Balas”, narrado em primeira pessoa por um ex-presidiário, que com seu linguajar marginal e seu poder de análise nos remete a uma transposição do homem simples filósofo, de Guimarães Rosa, ao meio urbano moderno. Outro conto a ser destacado é “Espiral”, em que o amor patológico entre uma mãe e seu filho é narrado conforme o título, em movimentos circulares que se aproximam vertiginosamente de um centro de grande concentração dramática. O livro se encerra com “A lâmpada que nunca queima”, a história de um jovem que inventa o tal objeto, mas vê seus planos ruírem frente aos interesses do mercado. O leitor terminará sua jornada não com um triste niilismo, mas sim com a perspectiva de que novos caminhos sempre podem ser traçados na busca por uma existência mais plena, da qual faz parte o amor.