A Revolução Haitiana representa uma das encruzilhadas da modernidade, em que a violência da escravidão foi emparedada pela luta negra por liberdade. Ao atingir o epicentro do colonialismo francês, provocar mudanças profundas na política global e mobilizar imaginários de medo e esperança que atravessaram o espaço e o tempo, a emergência do Haiti independente é componente indispensável do quebra-cabeças para entender a formação e os dilemas do mundo contemporâneo. No entanto, como argumentava Michel-Rolph Trouillot, por muito tempo a Revolução Haitiana foi silenciada, trivializada e estereotipada nas narrativas do ocidente. Felizmente, resultado do esforço de pesquisadores e pesquisadoras nas últimas décadas, esse cerco de abafamento foi rompido, acarretando o florescimento cada vez mais plural de estudos sobre o assunto.
O livro de Bethânia Pereira é parte desse movimento e vai ao encontro do crescente interesse do público brasileiro na temática. Leitores e leitoras terão em mãos uma obra que, de forma objetiva e didática, apresenta o complexo panorama em torno da Revolução Haitiana, retirando-a da excepcionalidade e do isolamento histórico. Para tanto, Bethânia reconstrói os eventos no Caribe a partir das demandas e percepções construídas pelas populações da diáspora africana, dentro de uma ampla paisagem do Atlântico revolucionário. Fruto de uma compromissada trajetória de investigação, o livro também traz uma bibliografia fundamental e atualizada sobre a temática, além do diálogo com fontes primárias e escritores da época, a exemplo de Moreau de Saint-Méry, Thomas Madiou e Beaubrun Ardouin.
Assim, a obra não é só uma porta de entrada ao entendimento da Revolução Haitiana, mas também um convite para conhecer os horizontes de liberdade do Atlântico Negro, constitutivos do nosso passado e do nosso presente.
Marcos Queiroz