Nas investigações culturais, as que apaixonam são as que parecem improváveis. Por meio delas o pesquisador se realiza; pode trabalhar para afastar as fronteiras da aparência e aprofundar conhecimentos, remover pistas, chegar ao cerne da questão. Numa época de descobertas, quando as atenções saltitam, mostra-se árdua (e conveniente, talvez imprescindível) a tarefa de insistir nas minas esgotadas. Neste livro, a amizade não conduz a uma área de solução fácil. Examinar o tema implica aceitar a complexidade do simples. Existem a humanidade e suas construções magníficas, pelas quais cada afirmação representa uma negação num tecido de possibilidades. Um filósofo não se satisfaria com ambições pequenas, como se devêssemos nos conformar com o falso, já que nos mostramos incapazes de chegar ao verdadeiro. A unidade fala sobre o conjunto, e vice-versa. Daí o marxismo, a preocupação com a sociedade e seus destinos, fundamentando-se no eu e no seu processo de valorização, algo que, na maturidade, Sartre transformaria num desfecho de conclusões. Que esse seja um aspecto negligenciado, com a ênfase posta nas suas contribuições da fase fenomenológica, é um sinal dos tempos; de modo algum, um ponto pacífico. O que representaria para ele, nesse percurso, a amizade?O ensaísta teria sido um amigo impossível. Defendia idéias até o rompimento, embora não fosse o que lhe passasse pela mente. Ficaram na história as polêmicas que travou com políticos e com pessoas próximas, incluindo Albert Camus, o amigo. Não conciliava, manejava palavras; não se detinha nos sentimentos, machucava.A autora exerce seu poder de análise na contracorrente das opiniões. Sentindo que, com Sartre, a noção de philía se moderniza, fere preceitos, ousa, interpreta, persegue intuições, não se detém nos modismos. Acompanhá-la é realizar uma viagem nova num território que se imaginava conhecido.Ronaldo Lima LinsRomancista e ensaísta.