Foi somente durante o enterro de meu pai que tomei consciência de toda a força e extensão de uma antiga e nebulosa história de família, passando a compreender realmente suas conseqüências. Embora já tivesse ouvido a mesma história antes, a minha sensação era de como se a ouvisse pela primeira vez agora diante do corpo grande, pesado e imóvel do meu pai. Nenhum dos Rossato foi ao enterro. Minha avó, em seus quase cem anos, velou e enterrou o filho, sozinha. Ainda sob a luz baça e os sussurros do velório, permaneci olhando durante um longo tempo para ela, que sempre afirmou saber a verdade. Mas que verdade é essa, a verdade do coração de uma filha? Acho que não é mais o suficiente. A família precisa ter conhecimento de tudo o que se passou de fato há mais de um século, quando os Rossato saíram do norte da Itália e se instalaram no Brasil. Conhecer a fundo essa história de ninguém da família ir ao enterro de primogênitos porque o pai dela, também o mais velho dos filhos, matou o irmão, um religioso. E desde essa época, nenhum Rossato vai ao enterro de primogênitos. Se estou no Aeroporto Internacional de São Paulo nesse momento, aguardando o próximo voo para a Itália, é porque preciso saber a verdade sobre essa morte. Descobrir o que aconteceu. Lembro, durante o velório, olhar para o rosto de papai, cheio de manchas roxas por causa do enfarte fulminante, e tentar imaginar o que ele pensaria sobre tudo aquilo. Com seu gênio difícil, provavelmente, diria não se importar nem um pouco. Sempre pareceu até nem mesmo gostar das histórias da família. Mas eu, sim, agora estava me importando. E muito. Queria, com urgência, ler atentamente os diários de Franco Rossato e tentar entender como é possível que meu bisavô, de quem herdei o nome, possa ter tirado a vida do próprio irmão?