'Seis problemas para Dom Isidro Parodi & Duas fantasias memoráveis', de Jorge Luis Borges & Adolfo Bioy Casares, foi escrito sob o pseudônimo H. Bustos Domecq. Por trás do jogo de máscaras da autoria, em que os dois grandes escritores argentinos dãolugar, na verdade, a um heterônimo, ao menos dois aspectos se destacam: a raridade da literatura a quatro mãos e a modernidade do autor como outra criação do autor. Pois se o autor cria a obra, cria também, ao criá-la, a si mesmo como autor. Obra e autor criam-se, então, mutuamente. E como todos os aspectos da criação tornaram-se conscientes na modernidade, isto gera a possibilidade - mais ainda, a necessidade - de tornar tal consciência criativa parte da própria criação. É o que, grosso modo, faz Borges todo o tempo, a despeito de um classicismo estilístico que a princípio confundiu parte da crítica (no Brasil, houve o caso notório de Paulo Francis, que primeiro rejeitou a obra de Borges como pré-moderna para depois retratar-se). E é issooque faz Borges, junto com Casares, ao criar tanto o autor, H. Bustos Domecq, quanto sua obra. Em suma, 'Seis problemas para Dom Isidro Parodi & Duas fantasias memoráveis' são e não são de autoria de Borges e Bioy Casares, assim como são e não são deautoria de Bustos Domecq - que de fato existe como o autor de uma obra que não é, enfim, simplesmente nem Borges nem de Bioy Casares... Ser ou não ser, disse Hamlet ao inaugurar a modernidade. Cujo outro nome é complexidade. Em todo caso, não resta dúvida quanto à tradução desta edição ser de Maria Paula Gurgel Ribeiro, assim como de nela haver o belo e esclarecedor prefácio de Michel Lafon, da Universidade Stendhal (Grenoble, França). Tudo é jogo nesse livro que, ao mesmo tempo, é pura literatura, no sentido de ser ficção e nada além de ficção. A ficção, portanto, é um jogo, cujas peças são as palavras, cujos jogadores são os autores e os leitores e cujo tabuleiro, parodiando Borges, talvez seja a realidade.