NA ´SELVA SELVAGGIA´ DA CRIAÇÃO - Prefácio de Fábio LucasLivro de inegável valor literário é Selva Trágica, de Hernâni Donato. O tema social continua sendo a exploração humana no campo. O cenário é o sudeste de Mato Grosso. Trata-se da produção de erva-mate, quando os ervais eram aproveitados por uma Companhia que deles tinha o monopólio. O romance, a par do relato da vida degradada dos ervateiros e mesmo dos satélites da Companhia, conta paralelas histórias de amor (entre o Curã e Zola, Aguará e Anaí, Pablito-Flora, Isaque, Osório e Nakyrã), episódios de fuga e consequente caçada humana. Documento eloquente, de notáveis revelações, de alto poder comunicativo e obra de grande valor estilístico, Selva Trágica mostra as dantescas condições de trabalho da região. O Curãturã, empregado que passa 48 horas seguidas revirando a erva no fogo, faz para o seu sucessor, o rapazinho Aguará, a descrição de seu labor: “... Então começa a respirar fumo e resina, a ser defumado em suor e fumaça. Primeiro a gordura, depois as carnes, a saúde, escorrem pelo corpo, dia e noite, feito suor. Nenhum pelo lhe fica grudado ao corpo, nem saliva na boca, nem dentes nas gengivas, nem lágrimas nos olhos. Vai sendo cozido dia a dia; os intestinos acabam secos e mortos, envenenado o corpo; o estômago ácido, os pulmões cavernados, as veias saltadas, os olhos afundados. E dia e noite, com a forquilha nas mãos, revolvendo erva. No fim da primeira safra desce um fantasma do piso onde subiu um homem. Na segunda é um mecanismo. Começa a sofrer uma sede tão grande que até faz dor, queima, atordoa. O remédio é beber. Quanta bebida queira, tanta lhe dão... (os capatazes)” (p. 49). Os ervateiros trabalham desde as três horas da madrugada até a tardinha. Transportam, diariamente, um fardo de erva de vinte arrobas, preso à testa, aos ombros e ao peito. Se tropeçam (não podem olhar para o chão), a morte é instantânea, pois a coluna vertebral se parte. Para mantê-los indefinidamente no emprego, a Companhia fo