Se abrirmos os jornais de hoje ou assistirmos a um telenoticiário constataremos que as instituições policiais brasileiras têm mantido estável fidelidade a suas raízes históricas. Cotidianamente ocorrem abordagens violentas, motivadas em geral pela aparência do abordado: a "atitude suspeita" é quase sempre resultante da violação de uma regra, absolutamente ilegal, que interdita o acesso de pobres a certos espaços urbanos. Frequentemente da abordagem resultam lesões corporais no abordado, e por vezes sua morte. Mas a morte é sistematicamente imposta a suspeitos através de operações mais planejadas, como recentemente se deu em Santos ("operação Verão") ou no Rio (Jacarezinho).
Não há no Brasil qualquer organização, criminosa ou não, que consiga matar anualmente dez por cento do número de mortos pela polícia. Em 2003 foram registrados no Brasil 6.390 morte em decorrência de intervenção policial; no Estado do Rio de Janeiro, foram 871 "assassinatos em nome da lei", para usar o título do estudo pioneiro de Sergio Verani. Estão fora dessa totalização aqueles não poucos casos que deram de chamar "homicídios ocultos", categoria que pode abranger encontros de cadáveres ou de ossadas e desaparecimentos definitivos.
Em 2019 a polícia do Rio alcançou a marca de 1814 fuzilados/ ano, o que dá 151 por mês e 5 por dia. Em 2023 o campeão da letalidade foi o Estado da Bahia, com 1701: um governo estadual petista conseguiu ultrapassar um governo estadual bolsonarista nesta sinistra contabilidade. Parece que na questão da brutalidade policial as dissenções não são muito profundas.