Senão eu atiro e outras histórias verídicas, de Leusa Araujo, traz seis contos marcados por precisão descritiva, personagens de comportamentos perturbadores e desfechos imprevistos em histórias construídas a partir da experiência pessoal da autora e de casos judiciais. Leusa Araujo constrói seus contos com linguagem coloquial e uma dicção seca, usando como técnica principal de narração os diálogos desconcertantes e os fluxos de pensamento que mergulham na interioridade dos personagens, o que favorece o sentimento de solidão e aridez presente dos textos. A matéria escolhida para as narrativas tampouco permite alívio: um suicídio malsucedido (“A gorda que caiu do céu”); paralisia do sono (“Experiências extracorpóreas”), a virulência letal de um pintor (“Senão eu atiro”); o desamparo e a hipocrisia das relações (“A mendiga do Macuco”); as tensões sociais no retrato de uma paixão adolescente (“Daiane”). O conto que fecha o volume (“Iracema”) faz um triste, porém belo, contraponto: um filho que está prestes a perder a mãe revira o baú da família e reencontra relíquias há muito esquecidas, como álbuns de fotografia e livros. O projeto gráfico de Silvia Nastari explora o universo temático das histórias e o processo de trabalho de Leusa Araujo. O miolo tem costura aparente, e uma luva impressa em serigrafia sobre papel rosa acondiciona o livro, aludindo aos procedimentos de pesquisa e arquivamento. O amarelado do papel pólen e a tipografia clássica juntam-se ao caráter efêmero dos materiais em que o projeto se inspira, como o cor-de-rosa do papel manilha, os recortes de jornais da época e os itens de arquivamento e colecionismo. As imagens – retiradas de enciclopédias e manuais antigos – traduzem o teor de fragilidade e inacabamento dos objetos de arquivo, tanto pelo traço quanto pela impressão em carimbo. As ilustrações das sobrecapas foram impressas manualmente nas cores azul, preto e roxo. Assim, cada exemplar do livro é único, pois a disposição dos carimbos nas sobrecapas não se repete em nenhum dos volumes.