Ao indagar se a condição humana seria uma monstruosidade, faço-o em continuação a reflexões que desenvolvo no decorrer de meu trabalho como pesquisador. Por um lado, o termo “monstruosidade” seria uma provocação ao leitor. Por outro, existe algo de real, no sentido lacaniano do termo, que se oculta por trás do ziguezague que os monstros da ficção nos permitem fazer, cerzindo, no labirinto do desejo, um obscuro fio de Ariadne. Vemo-nos convocados a uma profunda tomada de decisões sobre o que temos feito com a terra, cada vez mais impossibilitada de abrigar a nós e a outras espécies, em resposta a alterações especialmente causadas pela ação humana. Uma tal convocação, porém, tem se mostrado vã, sobretudo porque boa parte dos governantes e donos de grandes indústrias e multinacionais não assume uma visão conjunta do que precisa ser urgentemente feito a fim de, se não sanar, pelo menos apaziguar os efeitos catastróficos da passagem do homo sapiens pelo planeta. Muitas vezes a preocupação mais séria é sobre o que a tecnologia pode oferecer em termos de longevidade e opções de lazer a uma parcela menor da população do globo, em vez de se estudar como regiões depauperadas – a exemplo do continente africano – sobreviverão em um orbe cada vez mais segmentado entre os que têm e os que jamais terão acesso pleno às benesses do “admirável mundo novo”. As democracias, sempre frágeis e ainda nascedouras, parecem presenciar a própria ruína. As religiões, em grande medida, tornaram-se instrumentos de domínio das classes, como previsto por pensadores do século passado, e sociedades de controle dos cidadãos e de estímulo do gozo desenfreado se mostram uma constatação. E se repetição e sintoma andam juntos, a pergunta sintomática para esta espécie revolvida pela pulsão de morte – mas que, ao mesmo tempo, ainda se permite, em certa medida, ser enternecida pelo afeto e pela arte – poderia mesmo ser esta: será a condição humana uma monstruosidade?