Primeiramente só Cristo amou, porque amou sabendo: Sciens. Para inteligência desta amorosa verdade, havemos de supor outra não menos certa, e é, que no mundo, e entre os homens, isto, que vulgarmente se chama amor, não é amor, é ignorância. (...) Pinta-se o Amor sempre minino; porque ainda que passe dos sete anos, como o de Jacob, nunca chega à idade de uso de razão. Usar de razão, e amar, são duas cousas, que não se ajuntam. A alma de um minino, que vem a ser? Uã vontade com afectos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uã alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo.(..) E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento; daqui vem, que isto, que vulgarmente se chama amor, tem mais partes de ignorância: e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama, porque conhece, é amante, quem ama, porque ignora, é néscio. Assi como a ignorância na ofensa diminui o delito,assi no amor diminui o merecimento. Quem ignorando ofendeu, em rigor não é delinquente. Quem ignorando amou, em rigor não é amante. (PADRE ANTÓNIO VIEIRA, Sermões, t. II, «Sermão do Mandato», § II, 405, pp. 499-501.) Obras relacionadas: Sermões Vol.I; Essencial sobre o Padre António Vieira; Cartas de Padre António Vieira (3 Volumes); Confissões de Santo Agostinho;
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