Millôr resgata o prazer de ler Shakespeare Que Millôr Fernandes era um grande gozador ninguém duvida. É o que confirma uma das entradas de Millôr definitivo – a bíblia do caos: GOZAÇÃO Posso estar enganado, mas acho que quem me telefonou noutro dia, às 3 horas da manhã, era um safado querendo me humilhar. Perguntou ele: “Por favor, aí é da casa do jornalista, desenhista, tradutor e teatrólogo Millôr Fernandes?”. “É”, disse eu, encabulado, sem saber bem o que responder. “Desculpe”, disse a voz do outro lado; “é engano”. Assim como caçoava de si mesmo – embora tenha sido um dos maiores intelectuais que o país já teve –, Millôr não poupava ninguém, nem os eruditos (ou principalmente estes), tais como os especialistas em Shakespeare. Mas, diferentemente deles, Millôr, que desde cedo entendera a dificuldade do ofício de tradutor, acreditava que uma tradução deveria ser não apenas lida, mas compreendida pelo leitor. Ao mesmo tempo em que é preciso ter o mais absoluto respeito pelo original, é preciso também ter o atrevimento de desrespeitá-lo, traí-lo para, assim, lhe ser mais fiel. Quando topou a empreitada de traduzir Shakespeare – um de seus reverenciados mestres –, Millôr não mediu esforços para adaptar as peças do escritor inglês, do período elisabetano, de forma a proporcionar ao leitor brasileiro contemporâneo uma leitura única. Esta edição apresenta quatro dos maiores clássicos de William Shakespeare – A megera domada, As alegres matronas de Windsor, Hamlet e O Rei Lear, duas comédias e duas tragédias respectivamente – na célebre e cuidadosa tradução de Millôr Fernandes, que afirmava, com a perspicácia característica: “Sheikispir, sim, é que era bão: / só escrivia citação!”.