Combinando a tradição ensaística das ciências sociais brasileiras com pesquisas empíricas cada vez mais verticais da historiografia atual, o livro de Ricardo Carvalho consegue conciliar esses “dois mundos” que, por vezes, se encontram separados. Soberania, Escravidão & Barbárie é uma pesquisa densa em um conjunto expressivo de fontes, mas também sintetiza uma tese poderosa sobre as origens da nossa política externa, do protecionismo como política econômica e do tortuoso processo que levou ao fim a escravidão.
— Luiz Fernando Saraiva, Professor de História Econômica e História do Brasil Império da Universidade Federal Fluminense
Com base na pesquisa nos anais do parlamento brasileiro e nos relatórios do ministério da fazenda e outros, Ricardo faz uma abordagem original e traz uma contribuição inovadora. Ao tratar do protecionismo tarifário, levanta questões pouco exploradas. Articula os debates parlamentares com a centralidade da escravidão. Necessariamente a extinção da principal
fonte de abastecimento de escravizados numa economia fundada no trabalho escravizado comprometeria o próprio regime de trabalho e tornaria a abolição da escravidão uma questão de tempo. Ao leitor, quero dizer que o livro de Ricardo da Silva
Carvalho nos envolve de uma imensa satisfação por ler algo fora do que até então tem sido escrito sobre o debate do protecionismo, das tarifas alfandegárias, do comércio exterior e da tributação no parlamento brasileiro. Isso porque o autor nos conduz, por meio de uma escrita leve e fluida, para um mundo de ideias e de questionamentos que povoaram aquela conjuntura conturbada da década de 1840. A perspectiva da extinção do tráfico africano de escravizados e do fim do
tratado “secreto” das tarifas alfandegárias com a Grã-Bretanha agitavam aqueles anos.
Depois de mais de 10 anos de contrabando e de burla à lei de 1831 de abolição do tráfico internacional, era chegada a hora de dar um fim ao tráfico transatlântico de escravizados. Até mesmo o líder conservador e defensor do tráfico, Bernardo Pereira de Vasconcelos, tinha consciência disso. Encerrava-se, também, o regime tarifário acordado secretamente por D. Pedro I com a Grã-Bretanha, concedendo tarifa única e vil para a importação de produtos manufaturados britânicos em troca do apoio à Independência. Parece claro que o engessamento da política tarifária trouxe consequências nefastas para o
orçamento governamental frequentemente deficitário e para a produção manufatureira nacional, que se via sem condições de concorrer com os produtos importados.
Na defesa do protecionismo alfandegário como instrumento para o estímulo à indústria nacional, visando o fortalecimento da soberania interna e externa do Estado, uniram-se os dois partidos imperiais, por meio do apoio à indústria naval e à proteção da navegação nacional. Porém, o estudo identificou que os conservadores distinguiram sua defesa do protecionismo, propondo abrangência maior dos ramos manufatureiros a serem protegidos como forma de garantir a geração de emprego e de atrair mão de obra livre de imigrantes. Na concepção dos conservadores, o protecionismo fazia parte de um projeto de colonização e de concentração da população. No entanto para que esse objetivo fosse alcançado era necessário um complemento — a Lei de Terras —, que restringisse as possibilidades de acesso à terra, evitando a dispersão e a transformação da população livre em proprietários.
O inusitado trazido pelo estudo é a presença das ideias de Edward Wakefield nos debates do protecionismo, nos discursos dos conservadores liderados por Bernardo Pereira de Vasconcelos. Há passagens extraídas dos debates parlamentares repletas das concepções de Wakefield. A articulação do protecionismo às questões candentes dos anos de 1840 foi realizada efetivamente pelos conservadores, ao defenderam um projeto mais amplo de desenvolvimento manufatureiro que contemplava o fim iminente do tráfico de escravizados,
a colonização e a lei de terras.
— Maria Alice Rosa Ribeiro, Professora aposentada, livre-docente, Unesp. Pesquisadora
colaboradora - Centro de Memória-Unicamp, CMU