Na Inglaterra, uma mulher é impedida pelo marido de lavar as mãos em pleno isolamento da pandemia de Covid-19. Outra, assassinada a tiros pelo companheiro através da porta do banheiro da casa dele na África do Sul. Nos Estados Unidos, uma mulher que denunciou um notório abusador sexual é humilhada no tribunal. No Brasil, uma parlamentar é alvo de agressões verbais do futuro presidente do país. Como a violência se instala nas mentes, em especial a violência contra as mulheres, e que problemas parece falsamente estar resolvendo? Para Jacqueline Rose, essa é uma especulação que precisamos fazer para enfrentar a violência e até mesmo identificá-la — já que muitas vezes ela se manifesta de formas oblíquas como em ajustes legislativos e estratégias econômicas.
Para complicar ainda mais, Rose acrescenta, a violência floresce justamente porque criamos formas elaboradas de escondê-la de nós mesmos, embora ela seja constituinte da nossa humanidade. Neste livro, a violência é escrutinada a partir de histórias individuais, dados estatísticos, desdobramentos políticos e sociais, teses filosóficas, psicanálise e das linguagens literária e jornalística. Hannah Arendt, Toni Morrison, Roxane Gay, Rosa Luxemburgo — entre muitas outras, emprestam suas obras e ideias para uma costura vigorosa e crítica entre literatura, psicanálise e feminismo.
O impacto mental da leitura destes ensaios perdura, e sua força se dá por decantação. Ao iluminar detalhes que se mostram brutais, ao rejeitar o diagnóstico fácil, ao analisar frases que passariam por banais e revelar seu poder destrutivo, ao aproximar ideias de variados campos do pensamento, Rose sobrepõe sem pressa camada sobre camada ao debate sobre violência. Seu raciocínio sinuoso vai e volta do indivíduo para o todo, sem jamais desprezar as vítimas, e nos coloca em posição de responsabilidade e agência ao nos chamar para pensar pra valer. Para ela, precisamos “entender a força interior da violência, resistir à mortal tentação de fazer dela sempre um problema do outro”. E escutar “as vozes que trilham o instável caminho entre esses dois esforços — aquelas vozes que mostram que lidar com a violência interior e lutar contra a violência do mundo são coisas inseparáveis”.