Nos subterrâneos da memória, nossas raízes conversam e não são sempre palavras de amor que trocam; às vezes, se atritam, se ferem, porque nenhuma (re)existência é cem por cento pacífica – não o eram no passado, não serão agora que postas em confronto. E, neste exercício de rememoração, não há compromisso estrito com a verdade dos fatos. Porque aqui lidamos com memória coletiva e tais histórias, aparentadas à oralidade, trazem seu componente de ficção, literariedade e busca de coerências internas de sentido - algo que a realidade, muitas vezes, deixa de exibir, por ser só a vida que se vive e por ser, quase sempre, diferente da vida que se conta. Os textos que aqui se apresentam, mantém este caráter: episódico, fragmentário, são flashes da jornada de pessoas e quem, sobre elas, escreve vê de um ponto, imagina, sonha com uma avó que responda a questões que, por vezes, são só de quem narra uma vida que não viveu, mas vislumbra. Estes últimos anos têm sido de perdas irreparáveis: uma legião de avós foi abatida por um vírus. Uma geração inteira de afeto e sabedoria nos foi tirada. Jamais recuperaremos um amor como aquele, corporificado naquelas velhas amadas, nas nossas yabás e yalodês, nossos griots, xamãs e anciãos parentes. Mães, mamas, dindas, tias, nonas e abuelitas; vô, véio, Pai, padim. E esta dor é nossa, desta geração que vive a pandemia do vírus e a pandemia do desamor. Mas nós, as/os que permanecemos, não deixaremos nossas velhas e nossos velhos serem esquecidos. Eles e elas estão bem aqui, nas páginas deste livro e nas dobras de nossos corações.