“A graça da vida é que ela é um problema insolúvel” – diz, certo momento, o estranho narrador desta novela, para logo emseguida corrigir a própria afirmação: “A graça e o horror da vida é que ela é um problema insolúvel”. Acréscimo significativo, o da palavra horror, que, combinada a graça, delimita o campo no qual se movimentam os protagonistas desta perturbadora narrativa. Não se trata, porém, de uma coisa ou outra. Pelo contrário, o que o poeta Thiago Mattos interroga em sua primeira – e promissora – incursão pela prosa é precisamente o ponto de encontro entre a graça e o horror de viver. Como se pode imaginar, nada aqui se rende à claridade. Pelo contrário, tudo se conforma ao lusco-fusco anunciado desde o título paradoxal, que associa um Solo a um Noturno a quatro vozes. É sob o fundo fugidio da penumbra,portanto, que essas vozes se dão a conhecer. Quatro são os personagens – melhor dizendo, as criaturas – que contracenam num cenário igualmente paradoxal, onde se borram as fronteiras entre o resguardo íntimo e a dimensão cósmica. Embora três deles ocupem o interior de uma casa e o quarto se mantenha fora dela, o lugar em que todos se encontram é realmente o “dentro da noite”. Não estranha, pois, que no coração deste livro repouse uma vertiginosa interrogação sobre a noite do corpo, investigada em profundidade tanto nas figuras de Maria, José e João – uma escritora, um ator e um filósofo – quanto no outro, que prescinde de nome próprio mas se faz onipresente na condição de matéria. Dizer mais que isso seria furtar ao leitor as surpresas que estas páginas encerram. Entre elas, a vigorosa experiência de linguagem a que se abandona Thiago Mattos neste inquietante Solo a quatro vozes, que também se apresenta como um Noturno a quatro corpos. - Eliane Robert Moraes