Há livros e personagens que participam de muitos momentos de nossa vida, com quem dialogamos em silêncio, compartilhamos alegrias, frustrações, medos, ansiedades. E com quem, sobretudo, aprendemos. O que não é a escrita senão um compartilhar de experiências deste amadurecimento contínuo de que é feita a vida? Senão um exercício de alteridade, de humanidade? O livro de RC Maschio volta cerca de 140 anos no tempo, exorcizando fantasmas que insistimos em manter colados à nossa psiquê coletiva, mesmo que não mais sob um Brasil Império. Mas sobre isso falaremos ao final. É preciso falar antes que 'À Sombra do Jatobá' bem poderia ser simplesmente “Ercília”, a personagem que alinhava o desenvolvimento de toda trama, em sua condição de escrava - sem direito a quase nada, sequer à vida em alguns momentos -, mas que persiste em sua autonomia inviolável enquanto ser, convicções e valores. Esse é o grande aprendizado que Ercília nos deixa, bem como àqueles que lhe estão próximos na história, como as meninas Teodora e Cândida: A de que podemos encontrar nosso equilíbrio mantendo-nos invioláveis enquanto alma, espírito, sujeito ou qualquer outra designação que a filosofia, psicologia ou religião costuma designar para a nossa individualidade. Isso nada tem a ver com o discurso contemporâneo da “resiliência”, que tem fins outros que não nos cabe citar aqui. Tampouco tem a ver com renúncia ou passividade, mas sim, com sabedoria. De outro modo, voltar a este Brasil Império nos possibilita, uma vez mais, resgatarmos páginas negadas de nossa história por um certo pensamento raso e desonesto muito acentuado nos dias de hoje, que procura livrar-se de muitas responsabilidades que deveriam estar sobre os próprios ombros. Difícil saber, nesse ambiente tão conturbado e polarizado que o Brasil vive nos anos recentes, como será recebida a história de Ercília e de suas meninas Teodora e Cândida. Mas um escritor não deve buscar a aprovação, o sucesso, senão dar voz às suas inquietações, ele tira de dentro de si aquilo que os não escritores não conseguem alcançar. É uma viagem interna, ao mesmo tempo em que, nesta obra, uma volta ao tempo necessária ao País.