Casualmente os sinos da catedral anunciam que são cinco horas. Os escritórios burocráticos vão se fechando nesta sexta-feira e todas as divindades públicas deslizam pela avenida do aeroporto, com seus super-egos motorizados e aparentemente felizes. No porta-luvas uma gravata de 68 libras comprada em Londres; uma calcinha de 48 dólares adquirida em Boston; uma estatueta de Kali trazida de Praga e um estupendo colar de safiras roubado numa boutique mexicana. Um pouco mais tarde, a luz fugidia ao redor do monumento à justiça e o olhar sampaku e perspicaz de uma coruja satânica. Acabo de reler as 19 tragédias de Eurípedes. Se esse senhor vivesse aqui entre nós, talvez não conseguisse ser nem um free-lancer da Tribuna e muito menos aceito na Academia de Letras de Taguatinga. Epa! Epa! Estou na tenda de Agamenón ou na plataforma inferior da rodoviária? Diante do Palácio de Tebas ou num bordel de Planaltina? No Santuário de Elêusis ou no barraco dos A. A do Gama? Pouco caso? Ora, ninguém desconhece que o cinismo é uma defesa e um moralismo invertido. Tolstoi – por exemplo – foi cínico quando propagou que a cerveja poderia vir a ser um auxiliar na luta contra a vodka. Lacan quando entrou sorrateiramente no banho para ver a filha nua e Nietzsche, quando em seu Zaratustra, conscientemente ou não, plagiou o Diário de Bordo de Just Kerner (1686). Este livro? Como todos os outros, tem a presunção de ser uma espécie de anti-livro, e de anti-literatura. Não, não é uma bula terapêutica, nemum catecismo ideológico e nem um manual de indecências como bem poderia pensar Sócrates ou Dérrida. Ufa! Cento e tantas páginas de suprema ilusão! Suprema ilusão? Sim, mas relaxe. Relaxe porque tanto você, quanto eu e qualquer outro sujeito minimamente ilustrado sabe, e muito bem, que os déspotas sempre foram e sempre serão ilusionistas.