Segundo Edward Bond: 'Há dois géneros de autores dramáticos. Os primeiros fazem jogos teatrais com a realidade. Alguns fazem-no mal, outros fazem-no bem, e neste caso as suas peças podem mesmo continuar a ser interessantes. Os autores do segundo género mudam a realidade. É o que fizeram os Gregos e Shakespeare. (...) Sarah Kane era uma autora dramática do segundo género. O confronto com o implacável criava as suas peças. Terá ela sabido - terá o autor dentro dela sabido - que poderia deixar de ser capaz de o enfrentar nas suas peças? A nossa sociedade e o nosso teatro opõem-se. Devemos consumir para manter a economia, para manter a único via que nos damos ao trabalho de imaginar. Mas a necessidade de consumir não é o desejo de ser humano. Este desejo é a necessidade de enfrentar o implacável. É esta a lógica da nossa situação. Se não o enfrentarmos para encontrar a nossa humanidade, é ele que nos enfrentará e destruirá. É esta a lógica do século XXI. (...) Sarah Kane tinha de enfrentar o implacável. Só podemos retardar o confronto se estivermos certos de que ele ocorrerá num dado momento. Senão ele esquivar-se-á. Tudo o que Sarah Kane fazia tinha autoridade. Se pensava que o confronto talvez não pudesse ocorrer no nosso teatro - porque está a perder a sua função de compreensão e os seus meios - não podia correr o risco de esperar. Em vez disso, representou-o noutro lugar. Os meios de enfrentar o implacável são a morte, a casa de banho e os atacadores de sapatos. São eles o comentário que ela tinha a fazer sobre a perda de sentido do nosso teatro, das nossas vidas e dos nossos falsos deuses. A sua morte é a primeira morte do séc. XXI.'