Interessada na maneira como se reconstituiu a história da ditadura militar, e na memória que dela se tem pela voz de suas vítimas, Beatriz Sarlo analisa neste livro a profusão de relatos, depoimentos e testemunhos surgidos nos anos de transição democrática, tanto na Argentina como em outros países latino-americanos, e mostra como o testemunho em primeira pessoa foi fundamental para a reconstrução do passado. Graças aos relatos de ex-presos políticos, perseguidos e exilados, se abriu o caminho para a condenação do terrorismo de Estado.
Mas esses atos de memória podem ser, alerta a autora, apenas uma versão dos fatos, e correm o risco de, no futuro, ter contestada sua validade como fonte histórica. Seu objetivo é evitar que a história transforme as lendas em realidade. Fundamentando sua pesquisa em trabalhos teóricos sobre cultura e historiografia, numa linhagem que passa por Walter Benjamin e Giorgio Agamben, Jean Starobinski e Paul Ricoeur, Beatriz Sarlo disseca a "virada subjetiva" que se seguiu ao renascimento do "eu", objeto de todos os privilégios, e ampliado em sociedades que vivem a subjetividade não apenas em sua dimensão íntima, mas como uma manifestação pública.