O reencontro da historiadora com o material de pesquisa abandonado há mais de trinta anos resulta numa obra extremamente original que concilia uma grande disparidade de tempos e de reminiscências e uma bela coleção de perfis femininos. É a prova que valeu a pena ver de novo.
Tempos e memórias: vidas de mulheres reúne 16 relatos de pessoas comuns, situadas em diferentes lugares da constelação social; donas de casa, escriturárias, professoras, faxineiras, dentistas. Tem em comum a idade superior aos 70, a localidade Bagé dos anos 80 e o sexo feminino. Pessoas invisíveis na cena pública, pessoas sem expressão a quem é dada a oportunidade de se exprimir.
Surpresas essas mulheres idosas que acreditam não ter nada para contar, gratas pelo reconhecimento falam muito, narram seu passado privilegiando a juventude, os pais e a infância e relegando a um segundo plano maridos e filhos como se o casamento representasse uma cisão em suas vidas. Vidas anódinas cerceadas de restrições constrangimentos e sujeições em razão do sexo.
Neste exercício de história da vida quotidiana feminina na campanha rio grandense do início do século XX, Celi Pinto lança um olhar crítico e as vezes enternecido da pesquisadora experiente sobre sua versão mais jovem e mais crua. Observadora perspicaz, a autora se vale dessa imersão um tanto acadêmica e um tanto afetiva nos seus arquivos de pesquisa para urdir uma sofisticada trama de temporalidades. O presente da pesquisa que remete para o passado das entrevistadas. O presente da pesquisadora que rememora seu passado na conjuntura da realização das entrevistas e que se interroga sobre a condição subalterna das mulheres no passado e no presente.
Interrogação que permanece em aberto. A subjugação das mulheres é figura do passado? do presente apesar dos avanços? do futuro até quando? - Texto de Albertina de Oliveira Costa.