Há mais de um século, os territórios que chamamos de favelas têm sido alvo de muitas violências. As maiores são a violência quente que explode do cano das armas que ferem nossos corpos; e a violência fria da desumanização, que nos atinge em forma de racismo, de preconceito de classe, de abandono. O próprio Deus Pai-Mãe, que é quem nos acolhe, é a maior testemunha de que estamos resistindo para existir. Quando falta o Estado, é a igreja que dignifica; quando faltam os recursos, é a ética religiosa que alimenta o corpo/espírito; quando falta a esperança, é a teologia de favela que dá novo sentido aos pés exaustos e às mentes inquietas. Este livro não é um tratado teológico absoluto; não é uma produção para enfeitar estante de estudiosos. Teologia de Favela é uma prova de que as pessoas nas favelas, gente de fé, de força, de fragilidades, pensam e articulam relações contextuais e dinâmicas com Deus e o próximo. Assim, este livro deve ser celebrado porque reúne homens e mulheres que foram desafiados e renovados por uma reflexão/prática teológica que pode ser considerada desobediente, mas nunca estéril. Desobediente porque só quem pisa nesse chão devagarinho entende bem as perguntas que de lá podem brotar, e entende também que as respostas a elas não podem ser repetições teológicas com fedor de asfalto. Meu desejo é que este livro produza orgulho, afeto, festa. Desejo também que ele seja uma fonte de reflexão entre as famílias, nas comunidades de fé, e em qualquer beco e viela que tenha gente que se sabe amada por Deus, porque Nele não apenas vivemos e nos movemos: refletimos sobre Ele, sua ação em nós e por meio de nós nestes lugares que chamamos de favela, de casa. Isto é Teologia de favela e dela somos todos e todas testemunhas.
Priscila Gonçalves Cientista da Religião Autora de "Religião e violência na favela"