TOCAR O IMPOSSIVEL

"Em um ensaio consagrado Michel Foucault define a autoria no campo psicanalítico de modo paradoxal: de um lado, o inevitável "retorno a Freud", ou seja, a releitura da obra inaugural em busca da sua riqueza permanentemente esquecida; de outro, a reescrita da psicanálise de acordo com a escuta de cada psicanalista aos problemas evidenciados na clínica e na cultura contemporâneas.

Ambos os movimentos seriam responsáveis pela emergência de diferenças. Pode-se depreender, assim, ao contrário do que preconizam os apóstolos da uniformidade, que a psicanálise é necessariamente múltipla, tão polifônica quantas forem as sensibilidades dos psicanalistas dignos desse nome às experiências da dor e do desejo.
Tocar o impossível, que reúne os escritos de Rachel Sztajnberg, traz a marca de uma autora que levou, efetivamente, às últimas consequências o desafio de pensar e de praticar a psicanálise.

Nele encontra-se rigor conceitual sem pedantismo ou aderência reducionista a uma filiação teórica exclusiva; experiência clínica aliada a uma reflexão crítica da cultura na qual vivemos; e um radical questionamento acerca do tornar-se psicanalista - além de, não menos importante, leitura saborosa, erudição e humor. Dessa maneira, metapsicologia, psicopatologia e terapêutica se entrelaçam em torno de uma questão nuclear (de inspiração marcadamente winnicottiana): como viver criativamente frente aos imperativos cada vez mais imediatos da sociedade do consumo e da segregação?

O fio que costura os vários interesses Rachel é, efetivamente, o enigma da presente desde o texto de abertura a sublimação e o brincar, sendo que a parte dos seus ensaios é inteiramente às produções artísticas: a pintura, literatura, a música e o cinema. Nela, entramos em contato com o testemunho de artistas tão diversos - como Kahlo e Almodóvar, Guignard e Costa-Gavras, Poe e a Virginia Woolf de As horas - quanto representativos da nossa época.

Ao final da leitura readquirimos a certeza de que a riqueza desse ofício impossível - que, segundo Freud, é o psicanalisar - não está nas fórmulas prontas que há
muito tempo vêm sendo utilizadas para explicar os comportamentos, mas na possibilidade de voltar a se surpreender com o imprevisível da invenção e do destino humanos."
Daniel Kupermann