Todo poder aos sodomitas! é um conjunto de ensaios que abordam a questão do gênero e da transgeneridade a partir dos instrumentos de uma reflexão filosófica que não toma mais a identidade e seu caráter universal como evidentes. Através de uma discussão, que se dá tanto no nível dos temas, quanto no da forma da escrita, os textos reunidos neste volume partem da hipótese de que os espaços normativos de gênero dependem de uma construção rigorosa, mas nem sempre visível, de uma série de fronteiras: as que esquadrinham a anatomia e definem funções para cada uma de suas partes, as que delimitam o campo de uma prática feminina de escrita, as que distinguem o poético do filosófico, o corpo do texto. Fabiano Lemos se propõe a mostrar em que sentido uma figura limítrofe como a do sodomita pode confundir todos esses espaços e forçar uma reconfiguração das forças políticas, tornando-se, assim, não um elemento evidente que deveria ser resgatado historicamente, mas um dispositivo de enfrentamento para o presente. Percorrendo ora narrativas bíblicas, ora passagens menos conhecidas da física aristotélica, bem como os manuais e arquivos da Inquisição e seus antecessores, o autor constrói uma genealogia histórico-filosófica – mas também poético-política – dessa figura, ressaltando suas possibilidades disruptivas em contexto de dominação. Alternando os diferentes momentos dessa construção, Fabiano Lemos procura, paralelamente, apresentar leituras de autores como Nietzsche, Artaud, Virginia Woolf e Elfriede Jelinek que indicam o modo como, neles, as fronteiras entre escrita, corpo e identidade são continuamente atravessadas e que política pode se manifestar a partir dessa disputa sobre o gênero, que não deixa de ser, igualmente, uma guerra sobre a ocupação, a circulação e a posse dos espaços. Trata-se, assim, de uma genealogia das formas disruptivas da generidade e do corpo, mas também de um ensaio de política da escrita filosófica.