Em 2010, o jornalista e polemista britânico Christopher Hitchens foi obrigado a interromper subitamente a turnê de lançamento de seu livro de memórias Hitch-22. O diagnóstico de um câncer em estado avançado determinava, então, uma guinada radical em sua vida. O intelectual bon vivant movido a nicotina e a álcool cedeu espaço a um estoico paciente em busca de cura – um empreitada frequentemente árdua e desencorajadora, mas que foi encarada com destemor por Hitchens até o fim, em dezembro de 2011.
Por meio da coluna que assinou por anos na revista Vanity Fair, Hitchens não só assumiu a doença publicamente como passou a descrever a gradual deterioração da própria saúde decorrente do tratamento por quimioterapia – sem um pingo de sentimentalismo, mas com a contundência e o humor característicos de seu estilo. A coletânea desses artigos, bem como anotações esparsas deixadas pelo autor, compõe Últimas palavras, título póstumo que chega ao Brasil no mesmo mês do lançamento mundial.
Em Últimas palavras, Hitchens, um dos grandes nomes do ateísmo moderno, ironiza detratores que associam o câncer a uma vingança divina, questiona o efeito prático das orações e revolta-se com a presença de crucifixos nos quartos de hospitais religiosos – mas se mostra grato pelas manifestações de solidariedade recebidas de pessoas das mais diversas crenças. Observador arguto do comportamento humano, reflete sobre como as pessoas tratam vítimas do câncer e arrisca sarcásticas dicas de etiqueta para esses casos. Defensor da ciência e da razão, comenta os avanços da medicina com admiração e uma ponta de esperança, enquanto critica o modus operandi das instituições e profissionais de saúde.
Ao escrever sobre si mesmo diante da expectativa da morte, Hitchens revela admirável desprendimento. Sem autopiedade, e com a mesma honestidade com que detalha sua decrepitude física, põe em xeque antigas convicções (como o enunciado nietzscheano “o que não me mata me fortalece”, que deixou de ter sentido para o autor depois das altamente debilitantes sessões quimioterápicas). A coragem da transparência, que havia pautado toda uma vida, manteve-se inalterada até o fim, como atestam as últimas – e talvez as melhores – palavras de Christopher Hitchens.