Apesar dos signos sugestivos do título, este é um anti-livro-de-ação. Ou melhor: um livro de inação. A inércia, a contemplação interior e exterior, o estranhamento, a transmutação da cultura e da natureza em escrita — são a matéria de Maria Gabriela Llansol. Na verdade, Um Falcão no Punho se refere ao impulso (vital, inevitável, catártico) de escrever, através do qual ela ressensibiliza coisas, fatos e ideias ao seu redor. A interpenetração de vida e escrita é o que a move: “Escrever é o duplo de viver”, ou: “A minha maior responsabilidade é contribuir para que um livro seja um ser”. Borrando os limites entre literatura e filosofia, assim como entre o diário pessoal e a ficção (minienredos, pulverizados entre as anotações, envolvem personagenssignos, como Bach e Pessoa, ou seu avesso, Aossê, ou seu feminino, a Infausta), Llansol cria uma mitologia própria, onde conjuga elementos díspares em improváveis jogos de sentido. O mundano se eleva, e uma complexa rede de reflexões emerge da simples observação cotidiana. “Sem normas, sobretudo mentais.” Jardins de verbo. Enredo de enigmas. Labirinto de saídas. Eis o chão que Llansol nos convida a pisar, lenta e pausadamente, onde cada frase esconde uma surpresa, um segredo, uma nova pele por baixo de outras, mais profundas, sem perder a superfície, onde as palavras se misturam à matéria incerta do mundo.Arnaldo Antunes