O texto faz uma leitura do Grande Sertão: Veredas, guiado pela bastardia de Riobaldo – criador e destruidor de pais, que encarna a figura do medo – e pela coragem de Diadorim – o defensor e vingador do pai. Os dois projetos contrapostos têm no amor não consentido o elo de sua realização. São dois projetos que não podem vingar juntos. O projeto amoroso, embora não tenha a morte como finalidade, não pode ignorá-la como fim do amor.A trama do olhar entre o destruidor e o vingador de pais só ganha sentido se remontarmos à sua própria gênese, ao imaginário de Guimarães Rosa. O olhar define dois momentos-limites da presença: o olhar objetivante, que transforma o outro em escravo, e o olhar objetivado, que consente na prisão imposta pelo outro. Em ambos os casos, retrata-se a mesma ambiguidade desse movimento de fuga e de perseguição.Quando olho, deixo-me consumir no meu olhar sobre o outro e me esqueço da angústia que sou. Quando sou olhado, resigno-me à angústia que sou. Quando olho, perco-me no ser olhado e esqueço-me de mim-angústia. Quando sou olhado, lembro-me do meu ser-nu, minha falta de fundamento, e me devolvo à minha angústiaEm suma, o olhar é um instrumento de nossa fuga ou de nossa busca. Ele define sempre qual a nossa posição frente à nossa situação concreta: se olhamos, subjugamos; se somos olhados, resignamo-nos. Mas isso é o direito e o avesso do mesmo movimento: fugindo ou perseguindo, lembrando ou esquecendo, o propósito é um só: superar a angústia, essa pulsação do ser sem fundamento que somos.Os conceitos básicos, instrumental teórico para a análise da experiência do olhar contida no Grande Sertão: Veredas, serão retirados da obra O Ser e o Nada, de Jean-Paul Sartre. Este texto entrelaça a “tristeza quinhoã”, de Riobaldo, e a angústia Roquintin, descritas por Guimarães Rosa e Jean-Paul Sartre. Aquele me forneceu a matéria bruta do sertão, e este me propiciou a ferramenta teórica para a análise.