Uma Espreitadela à lupa na história de vida de uma matriarca do povo, nortenha, nascida em finais do século XIX, em que são recriados sonhos, ambientes, rotinas, odores, sabores e rituais. Maria de Sousa orienta as suas ações pelos ditames da igreja, da sabedoria popular e do travesseiro que muito a aconselha. A história de Portugal entrelaça-se com a história da personagem e através dela podemos viajar pelo Portugal monárquico, republicano, salazarista, marcelista e democrático e compreender pequenos detalhes da história nacional e da cultura portuguesa profundamente marcada pela religiosidade e pelo humanismo, mas com alguns resquícios de paganismo.
O ambiente em que decorre a ação é o Portugal rural e provinciano. As questões centrais prendem-se com os pequenos nadas do quotidiano, da vivência de uma família de parcas posses que um dia almejou traçar o seu próprio destino. Este é um livro onde a envolvente narrativa que prende o leitor até à última página, nos revela um trabalho que ultrapassa a dimensão de uma história familiar, iluminando a vida social de uma região e, em especial, o papel da mulher. (…) A história e a literatura trabalham o passado, cada uma a seu modo. Muitas vezes, o passado relacionado com os conteúdos históricos parece ter pouco a ver connosco, pois esquecemo-nos de acrescentar a curiosidade, a surpresa e o espanto diante da descoberta do modo como homens e mulheres viveram há muitos e muitos anos atrás. Já na literatura, entramos em contacto com o passado por meio de personagens que têm nome próprio e somos mais facilmente envolvidos pelo enredo que nos aproxima de experiências vividas em outros tempos. (…) Estamos perante uma viagem no tempo que nos oferece um sentido e sensível testemunho de um árduo quotidiano, vivido nos silêncios de uma longa ditadura.
(Álvaro Arranja)