Ao dar os retoques finais neste umbigo que você tem em mãos, Maria Fernanda Aragão chegou a uma conclusão interessante: ficaram 59 poemas – me disse por whatsapp – , engraçado não ser 60, né? A frase revela muito sobre a poesia da autora, composta de insights prosaicos como koans zen-budistas, que buscam induzir ao despertar espiritual driblando a razão com dizeres enigmáticos e aparentemente sem sentido, mas repleta de um prazer lúdico e sensual, como alguém que manipula palavras com a simples intenção de extrair delas o melhor e mais prolongado gozo.Maria Fernanda usa pontos, espaços, faltas de espaço, maiúsculas e minúsculas para subverter palavras, dissecá-las, destrinchá-las, deformá-las e recriá-las, descobrindo e revelando novos e variados significados num processo digno de uma cirurgiã. A analogia não vem de livre associação: um dos primeiros poemas de sua autoria a me chamar a atenção foi Escoliose. Ao comparar a curva patológica da coluna a uma dança, a poeta revela que sua alquimia tem comprovação poética, além de ortopédica.Uma vez, entrevistando Ferreira Gullar para um programa de televisão, ouvi do grande poeta maranhense que, na juventude, quando descobriu a poesia, ele acreditava tratar-se de uma atividade mórbida pois, nos livros que lia, todos os poemas eram de autores já falecidos. A lembrança me faz parar de citar poetas homens e mortos porque você não tem mais nenhum minuto a perder: a poesia de uma mulher muito viva pulsa dentro deste umbigo