A Utopia é [?] um texto entre os maiores, do Humanismo. Na mais longínqua e mais profunda génese da sua problemática incide a visão l arga de um homem que pensou, ao escrevê-lo, na felicidade dos outros homens, da própria Humanidade. A dialética através da qual o esboço narrativo foi imaginado partiu da análise objetiva, partiu da injustiça de que eram vítimas tantos seres humanos. Não sendo um texto que explicita uma ideia cristã, a Utopia realiza no seu projeto um ideal de fraternidade que se reporta às experiências de comunismo global, na ordem do espírito e no que concerne aos bens materiais das comunidades do cristianismo primitivo. Convém, todavia, sublinhar que o humanismo utópico se funda na regra de uma vida natural e racional. É pouco? Apesar de tudo, trata-se de um humanismo atuante, porque estende a todos os homens o benefício dos bens criados pela inteligência humana. Sem messianismos. Sem esperanças escatológicas porque o homem vive na sua circunstância, vive o seu destino, assume-o, aceita a transcendência e assume livremente uma opção do Estado em que todos e cada cidadão participam na sua formação e no seu desenvolvimento progressivo dele recebendo não só o que lhes cabe mas ainda o que pode torná-los felizes, tanto quanto se pode ser feliz na vida presente. Os cristãos primitivos acreditavam que a Panísia estava para breve: o comunismo dos bens não era, por isso mesmo, uma prova extraordinária de renúncia. Os Utopianos acreditavam que, depois desta vida, haveria uma outra e que a Justiça eterna começava já a realizar-se nos próprios limites do tempo. (Do estudo introdutório de José V. de Pina Martins)