O que poderia ligar a experiência do pensamento que não alcança a poesia à experiência da pintura de paisagens enfurecidas nos quadros de Van Gogh? A primeira ligação, a mais óbvia e não menos epigráfica, é a experiência do sofrimento frente a um modo de pensar normatizado em que as expressões de um futuro da arte são rejeitadas para se manter a mesquinharia do espírito social adoecido. Sim, senhores, adoecidos estamos pelo excesso de cultura, de uma cultura que alimenta um ethos surdo em troca de se manter como guia em direção à razão. Por isso, digo que essa ligação não é menos epigráfica do que as outras que posso traçar entre Van Gogh e Artaud, além daquela mesma que ambos estabeleceram entre si, sem ao menos se conhecerem, ao se tornarem vítimas dessa razão adoecida. Mas a ligação que se sobressai, para além dessa tristeza que só o desprezo ao enigma que sustém a vida pode causar, é aquela em que uma palavra “defeituosa” e os olhos miseráveis dos camponeses famintos em um quadro se tornam reivindicação de uma existência outra. Existência que se inscreve sob convulsões pintadas ou escritas que são puras expressões de uma crueldade que atravessa o corpo e se pretende obra. Ligação que grita por uma força impessoal que tanto rasga a palavra pela exigência do corpo quanto rasga um corpo e ensanguenta uma paisagem composta de girassóis.
Essa força foi chamada por Antonin Artaud de crueldade. Estou certa que Van Gogh reconheceria nessa palavra a força que escapa ao signo que ela pretende deter, assim como Artaud reconhece. Mas, ainda assim, ambos se encontraram na eternidade do instante, e compreenderam que se a palavra crueldade não capta essa força que lhes atravessa, há que se subverter todo o sistema pelo qual as palavras significam as coisas e as pinturas são meras reproduções. Estive lá, nesta ocasião estavam embebidos de vinho, sujos de terra, os corvos cantavam palavras de glossolalias e a poesia se transformava em imagem.