As experiências da vida são fonte inesgotável na obra de Mario Quintana. Velório sem defunto, o último que escreveu, é um apanhado lírico do que o poeta viu e sentiu em vida. Publicado em 1990, quando Quintana já havia completado 84 anos, o livro reúne poemas até aquele momento inéditos, escritos com o mesmo frescor de sua eterna juventude. O vazio existencial, que por vezes toma conta da obra do poeta - especialmente diante da consciência da finitude - intensifica a inquietude dos versos. No título, o autor se posiciona de forma pessimista com os rumos do mundo moderno, ao lado de notáveis poemas que retomam os temas e impulsos básicos de seu lirismo, desta vez munidos por um olhar da terceira idade. Não existe autocomplacência, ressentimento ou mágoa na poesia de Quintana e, sobretudo, neste volume. O pressentir do fim, que viria quatro anos depois da publicação de Velório sem defunto, inspira ainda mais a celebração da vida. É que ele indaga, em “O eterno sacrifício”: “Como dar vida a uma verdadeira obra de arte/ A não ser com a própria vida?” Quintana se diverte com momentos solenes, como banquetes e funerais, e faz graça com a ansiedade trazida pela iminência da morte: declara sentir-se como alguém “comendo uma empada de camarão sem camarões”. Mais adiante, em “Confissão”, diz: “Acho-me relativamente feliz/ Porque nada de exterior me acontece.../ Mas,/ Em mim, na minha alma,/ Pressinto que vou ter um terremoto!” O autor não quis dar tom de testamento ao seu título de despedida. Buscou expressar, de maneira quase caleidoscópica, o turbilhão de emoções, sentimentos e imagens pelo qual passa o idoso insone em sua cama. Velório sem defunto reitera a qualidade do autor como observador atento da realidade, além de raro frasista.