Em VESTIR OS NUS, o escritor Ludovico Nota acolhe em sua casa Ercília, uma jovem ama cuja tragédia pessoal é conhecida por todos. Despedida após a morte acidental da criança de quem cuidava, foi abandonada pelo noivo e tentou suicidar-se. Muito rapidamente, no entanto, o leitor se dá conta de que a história de Ercília não reflete a realidade. De certo modo ela “vestiu” o seu suicídio com uma história que faz dela uma vítima, tal qual uma heroína de romances folhetinescos. Porém, sua tentativa de suicídio não foi fingida e Ercília tem muitos motivos para reivindicar o título de vítima que agora lhe é negado. Aqui, Pirandello faz certamente incidir uma luz premonitória sobre estes processos de vitimização tal como os conhecemos hoje nesses tempos de reality shows. Como é freqüente nas obras de Pirandello, um abismo de culpa está na raiz dos acontecimentos, mas não entrega verdade alguma, apesar da determinação das personagens em cutucar feridas. Ele sonda e aviva assim o nosso olhar de espectador — que gosta de se imbuir da infelicidade dos outros ou perfurar o seu segredo — com a intenção deliberada de não o satisfazer. VESTIR OS NUS é a segunda obra de uma série de textos revistos e “transubstanciados” por Millôr Fernandes para a Civilização Brasileira. Entre roteiros para cinema, peças de teatro e seus mais de 30 livros publicados, Millôr também traduziu clássicos como A megera domada, de Shakespeare, Antígona, de Sófocles e Escola de mulheres, de Molière