O ser humano não é um acontecimento acabado, uma conquista perfeita ou um dado consumado. Sua vida não pode ser descrita, deve ser narrada. E tal narrativa não será uma história exemplar, mas registrará inconsistências, gargalos, desânimos, retificações, novos começos, como naqueles gráficos anuais de evolução da bolsa de valores, porque o tempo habita o homem por dentro de uma forma muito mais íntima do que em qualquer outro ser. Como canta o Bruce Dickinson, frontman do Iron Maiden, na clássica Caught somewhere in time, “time is always on my side”.
As pessoas, como as boas cachaças mineiras, ficam destiladas com o tempo. São como melodias cuja unidade se dá por uma passagem mais ou menos harmônica. A pessoa não é um fato ou um amálgama de fatos. Toda imagem científica ou materialista do homem, ao melhor estilo de Comte e Darwin respectivamente, falhou sem remédio até agora, porque não passa de uma redução antropológica, apesar da arrogância típica de quem propõe este tipo de modelo, apresentado à luz de uma petição de princípio (ou pensamento circular), uma espécie de falácia argumentativa.
Confundir a mulher e o homem com fragmentos sofisticados de matéria ou com um amontoado de células não só está bem longe daquilo que efetivamente o são como, em contrapartida, exige o preço de não poder explicar nenhum de seus comportamentos característicos.