A obra Visões da Cidade: Um passeio por Rua de Miguel Torga deve ser entendida para além do que em princípio é, a Dissertação de Mestrado em literatura portuguesa da autora; isto porque durante os três anos de sua elaboração ela deu corpo a uma história de amor entre o sujeito do discurso crítico e o texto a partir do qual este discurso nascia, o volume de contos Rua do escritor português Miguel Torga (1907-1995). Pseudônimo literário do médico Adolfo Correia da Rocha, Miguel Torga flertou com muitos movimentos intelectuais do seu tempo, mas sempre deles se afastou quando uma simples suspeita nascida nele se insurgia contra a sua autenticidade e seu caráter. A sua obra monumental é ainda hoje reconhecida como a transfiguração literária dos valores mais ricamente humanos. Mesmo em uma obra como Bichos, em que animais se agitam em uma nova Arca de Noé, é o perfil negro e impassível do corvo Vicente que afirma o lugar vitorioso da criatura frente ao criador. Rua é uma obra pouco conhecida de Miguel Torga. Seus leitores lembram muitos mais das obras da montanha, que encenam dramas tão contundentes quanto a paisagem abrasadora que os circunda. Não existem paisagens tão amplas quanto a do “Sésamo” no breve volume de contos que esta obra examina. Na comparação com muitas outras, esta tenta resgatar a chave da compreensão de mais uma face de Miguel Torga; no universo de Rua, a contenção do gesto no apertado limite das cidades portuguesas.