O passeio de Abel Silva pela literatura narrativa fascina pela variedade de procedimentos. “Os peregrinos”, por exemplo, assume uma estrutura dramática – meio roteiro de filme buñueliano, peça de teatro rodrigueana – para ironizar a sociedade burguesa. “A morena do Catumbi” parece uma estranha notícia de jornal popular. No confessional “O In-pássaro no Impasse”, o tom é de ensaio literário, uma reflexão sobre a escrita, a loucura e a vida que cita explicitamente influências literárias como a outridade de Paz, a “consciência da excentricidade” de Cortázar, o “ser gauche” de Drummond, para (in) definir tudo isso. “Vertigem” é um contundente panfleto político. Há contos propriamente “literários” como “Rajah das veredas” ou “O aprendiz e o tigre” e o muito denso “Açougue das almas”, mas também um cordel – poesia “narrativa” por excelência, por isso coube neste volume de “histórias” – “O romance do cocar de penas com o boné vermelho”.O poeta é salvo em momentos pela prosa, como ele narra no mais explicitamente memorialístico dos textos deste volume, “Salvo por Pelé”, no qual se define de forma singela e comovente dentro de sua geração – “nunca pertenci a partido algum, a nenhuma daquelas dezenas de facções políticas da nossa juventude, eu já era o ‘Abel da música’” – como conta a incrível história da vez em que escapou da prisão e da tortura quando a polícia política da ditadura pegou uma carta sua enviada a um exilado que, ao contrário de outras, não falava de segredos políticos proibidos, mas narrava as jogadas de Pelé num jogo no Maracanã. É ou não é pura prosa de um poeta? Ou melhor, puro “Abel da música” fazendo as vezes de contador de histórias, que depois de tantos anos clandestino revela-se neste livro